O poder do subconsciente humano e as tramóias do destino no universo de Berserk



Berserk é famoso por sua violência e brutalidade, onde o protagonista, Gatts (ou Guts...) é um cara enorme com uma espada maior ainda e um canhão acoplado no braço, buscando vingança e matando todo tipo de monstro pelo caminho,  mas acredite, não é preciso ir muito longe para ver que a obra é muito mais do que isso. 

Por mais que os fãs de shounen queiram ignorar, Berserk não é uma história rasa com violência gratuita e plot preto no branco, do tipo herói da justiça em nome da amizade contra um vilão malvadão canastrão querendo conquistar o mundo.
Tá, o ‘’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’vilão’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’’ da história também quer conquistar o mundo, (e conseguiu), mas não é tão simples assim. 

Berserk é uma obra complexa que por trás de sua violência, aborda temas filosóficos, psicologia, religião, ocultismo, mas mais do que tudo, a obra aborda a humanidade.

Talvez por isso mesmo seja tão violento. O mundo onde se passa a história, baseado na era medieval, é um reflexo do estado primitivo e cruel das pessoas nessa época. Sim, a primeira vista  pode-se pensar que a violência é apenas um meio de chamar a atenção — e de certa forma, pode até ser, afinal tem muita gente que lê só por causa disso. Mas o importante é que não é uma violência gratuita, tudo se encaixa dentro do contexto do mundo totalmente ferrado da obra.

Lembrando que esse post pode ficar bem viajado, e que o que escreverei aqui pode ou não ser verdade, pois é apenas minha opinião

Ah, e contêm SPOILERS.

E como tem spoiler, não vou precisar explicar detalhadamente sobre o básico porque... vocês já devem saber.

Então vamos lá:

O Reino das Idéias

O que quero focar aqui, é que apesar de Berserk ser uma história de fantasia medieval, com monstros, ogros, trolls etc, pelo menos pra mim, fica claro que tudo nela gira em torno da humanidade, mais precisamente, o poder que a humanidade inconscientemente exerce no mundo natural e principalmente ''sobrenatural'' no universo do mangá.




O universo do mangá, com fortes influências em ocultismo e todo esse tipo de parada, é dividido entre 3 níveis.

Plano Físico, que é o mundo real e normal,  Plano Astral, não menos real, mas mais ''etéreo'', é o lugar onde reside as criaturas ''sobrenaturais'', e o  Plano das Ideias, que é o mundo governado pelas ideias (a vá), e pelo subconsciente. Esse plano  é o mais importante e tem forte influência em todos os outros planos, pois é aqui que as emoções, pensamentos e intenções de todas as criaturas fluem como em um mar caótico e eventualmente ganham vida . E como os humanos, pelo menos comparado aos animais, são as criaturas mais auto-conscientes, eles acabam por influenciar mais o plano das ideias. (talvez os elfos sejam do mesmo nível de consciência, mas vamos saber melhor sobre eles quando Gatts e sua creche finalmente chegar lá).

Mas ai você me pergunta : ''e quanto aos seres sobrenaturais do mundo astral? Eles, por habitarem um nível acima dos humanos, devem ser mais conscientes do que eles, certo?''

Bom, talvez, em relação aos elfos, você esteja certo, mas como ainda não sei muito sobre eles, não posso dizer. 

Quanto aos outros seres sobrenaturais... bem, vou explicar.

Como disse antes, no plano das ideias governado pelo subconsciente, é onde os pensamentos e emoções dos seres vivos fluem. Esses pensamentos e emoções, quando perpetuados por muito tempo, ganham vida no plano astral. 

Percebem onde quero chegar?

Exceto por elfos, pelos elementais (que são espíritos da natureza) e por espíritos malignos, (que são as almas humanas atormentadas) todos os outros seres sobrenaturais são criações da mente dos humanos! Todos os mitos e fantasias da humanidade navegam pelo reino das ideias e ganham vida no plano astral.

Algo que reforça isso é que, em certo momento do mangá,  acontece um evento chamado Transformação Mundial, onde o mundo... se transforma, oras. 

Os planos físico e astral se juntam num só. Assim começa o arco chamado de Fantasia, onde os mitos e fantasias que a humanidade adora criar, e que ganharam vida no plano astral, agora ganham vida no mundo físico. 




Se não perceberam onde quero chegar, é que, isso mostra como o poder do subconsciente e das emoções humanas é absurdo no mundo do Berserk (e quem, sabe, no mundo real?). Claro que antes da Transformação Mundial no arco Fantasia,  isso não tinha grande influência na vida da maioria das pessoas, pois com a intervenção da ordem religiosa Holy See, que erradicou qualquer forma de magia do mundo por ser ''heresia'', as barreiras entre o plano físico e astral foram intensificadas e os humanos não tinham praticamente contato nenhum com os seres astrais. 

Com a Transformação Mundial, agora eles tem contato. 
Contato até demais.

Mas isso é apenas um exemplo. Talvez o subconsciente humano faça muito mais do que dar vida a seres astrais...

A Ideia não exatamente do Mal



Como você já deve saber, existe um capítulo de Berserk, que foi retirado do mangá por pedido do próprio criador Kentaro Miura. Segundo ele, além de revelar muito, limitava a história. 

Graças a isso, ficou conhecido como o Capítulo Perdido.

Mas antes de me aprofundar nele, deixe-me primeiro explicar um pouco o contexto. 

O líder do Bando do Falcão, Griffith, nosso vilão ou herói ou apenas um ser humano em um estado completamente extremo, que quando estava prestes a conquistar seu sonho, (ter seu próprio reino), tem tudo arruinado por um momento de fraqueza emocional. 

Agora, depois de ser considerado traidor e passar um ano sendo torturado das piores maneiras possíveis, parece que o destino reserva uma nova chance para Griffith recuperar o seu sonho.

Mas pra isso ele tem uma terrível decisão a tomar: sacrificar todos os seus companheiros do Bando do Falcão que lutaram ao seu lado para realizar o seu sonho, ou recusar, e jogar tudo o que eles lutaram no lixo. 
Qual seria o certo?  

Recusar a sacrificar seus companheiros seria fidelidade a eles ou na verdade uma traição por jogar tudo o que eles lutaram com ele pela janela? Aceitar sacrifica-los das maneiras mais cruéis e perturbadoras possíveis se tornando por maioria de votos um dos piores, se não o pior, infeliz da história dos mangás, seria o certo?

Tá, eu não me detalhei muito, mas só esse dilema que eu mostrei já prova a profundidade da obra e o quanto os personagens são humanos. Mas esse é só um exemplo, tem muita coisa pra ser analisar aqui nesse sentido porque as relações humanas nesse mangá são muito naturais e reais. 

Mas analisar a psicologia de Berserk fica pra depois!

Enfim, voltando ao Capítulo Perdido, ele começa com Griffith, que antes de tomar sua decisão, é levado para conversar com... "Deus".

Lembram quando eu disse que o reino das ideias é formado por um oceano de emoções e pensamentos? 

Que quando perpetuados por muito tempo, ganham vida? Pois então... o mundo de Berserk é muito "extremo", com as piores guerras, as mortes mais cruéis e todo tipo de sofrimento. Que tipo de emoções um mundo assim pode produzir no reino das ideias? Oras, um oceano de sentimentos negativos, o lado negro do subconsciente humano. E nas ondas desse mar de negatividade, foi onde nasceu a principal ideia, o deus do abismo, Ideia do Mal.

 Um ''deus'' criado pelo lado negro das emoções e do subconsciente humano, genial!

Mas apesar de ter ''mal'' no nome, Ideia do Mal, ACREDITO que não é exatamente algo malégno maligno. Eu acho que mais do que tudo, ele é a personificação dos desejos inconscientes da humanidade, principalmente o desejo de que algo guie suas vidas, de que dê sentido a elas. E é apenas isso que o Ideia faz, obedece os desejos ocultos do subconsciente humano e manipula o destino de cada pessoa para realizar tais desejos.

É isso que ele diz ao Griffith. 

Tudo foi definido para o Griffith estar ali diante dele, há muitos séculos atrás. 

Idea manipulou tudo, influenciando as camadas mais baixas da consciência humana, cruzando sangue com sangue, criando a linhagem que daria luz ao Griffith e guiando todos os acontecimentos de sua vida para que ele chegasse ali.

Mas porque o Griffith é tão importante?

Com todo o sofrimento no mundo está enraizado há séculos no subconsciente, existe o desejo da humanidade de que algo ou alguém apareça para lhes salvar e criar um novo mundo. 

Um salvador.

Ideia do Mal atendeu a esse desejo e entregou a humanidade, o salvador que eles tanto queriam. Mesmo que pra isso Griffith tenha que sacrificar todo o Bando do Falcão para se tornar um anjo da God Hand, mesmo que ele tenha que sacrificar mais gente ainda para renascer fisicamente na Terra... Ideia do Mal não se importa com isso, humanos para ele são apenas peões no grande esquema de coisas. 

Se isso é errado ou não, eu não sei mas... é o desejo da humanidade.

Escravos do Destino


Está vendo porque o Miura decidiu excluir esse capítulo do mangá? Por mais que eu ache tudo isso incrível, ter algo controlando o destino de tudo limita a história. 

De que vale todos os dilemas e toda a psicologia dos personagens, se tudo está definido pelo destino? 

Por exemplo, o  dilema do Griffith ali em cima sobre sacrificar os seus companheiros ou não perde muito a carga psicológica se tudo foi manipulado pelo destino. E isso só prova o poder e a influência do subconsciente humano no universo do mangá: criou simplesmente um ''deus'' que define os rumos do mundo.

E acho também que, ter feito esse capitulo foi um erro, não só por limitar o plot, mas também por spoilar a principal questão da obra: Os humanos tem livre arbítrio? Eles conseguem controlar suas próprias vontades, ou são apenas marionetes de uma força maior que está manipulando tudo? Eles são escravos do destino?

...

Pois a presença do Idea of Evil confirma que sim, os humanos são  escravos do destino. Ou melhor, escravos dos  seus próprios desejos enraizados no fundo de suas consciências. Sem perceber, são escravos deles mesmos.

Mas será que algo ou alguém pode quebrar essa prisão inconsciente, e bater de frente com o destino?

Talvez tenha alguém...

Destiny Breaker




A maioria da galera que lê o mangá analisa a história sob a perspectiva do Gatts (o que é normal, já que ele é o protagonista) e querem que no final ele finalmente se vingue enfiando a Dragonslayer no no Griffith pela sua atitude maldita de ter sacrificado todo o Bando do Falcão e ter estuprado a Caska na frente dele. 
Mas vendo a história como um todo, sabemos  que isso já estava definido por Idea of Evil e que Griffith fez tudo isso para poder renascer como um salvador divino que a humanidade sempre quis, reunindo o mundo todo em um só lugar que seria um paraíso na Terra em uma era de paz como nunca houve antes no mundo. 

Não vou discutir aqui se isso é errado ou não, o que quero discutir aqui é, se o Gatts quiser vencer o Griffith, além de um exército de seguidores e de apóstolos, ele vai ter que enfrentar o próprio destino. Mesmo sendo o protagonista e tendo uma espada gigante que corta todo tipo de monstro, Gatts poderia enfrentar o destino? Talvez...

O mangá sempre faz questão de deixar claro que Griffith e Gatts são opostos. Enquanto o primeiro tem sua vida movida por um sonho desde a infância, o outro não tem sonho nenhum e a única coisa que quer fazer da vida é lutar. Enquanto um é o salvador prometido da humanidade, o outro aparentemente é um zé ruela com uma vida cheia de desgraças desde que nasceu e que nem deveria estar vivo. 

Um é delicado e o outro é um cara gigante com cara de mal.   

Até mesmo a armadura deles são opostas, uma angelical e a outra bestial. 

Eles são opostos um do outro, praticamente em tudo!



Já que estamos viajando, me deixe ir além com a seguinte teoria: se por um lado a humanidade sempre desejou um salvador e algo que os guie, e isso é representado por Griffith e seu novo mundo... talvez por outro lado exista outro desejo enraizado no subconsciente humano, o desejo de ser contra o destino, da liberdade pra ter e seguir suas próprias vontades individuais sem que nada superior os guie ou os controle. 

E isso seria representado pelo Gatts, que seria uma forma do Idea do Mal, ou seja, do destino, de se auto-sabotar.

Ok, isso é maluco, mas pense bem, a trama do Idea of Evil para transformar o Griffith em um messias foi aparentemente perfeita, manipulando a vida de todos durante séculos para que isso acontecesse. 

Porém houve uma pequena falha: a sobrevivência do Gatts no Eclipse. Ele deveria ter sido morto  junto com o resto Bando do Falcão, mas por algum motivo não morreu. Sim, a Caska também sobreviveu, mas ela é diferente, pois seria útil para o Griffith renascer no plano físico depois. 

Já o Gatts? Bem, não tem utilidade nenhuma para o Griffith e para o seu reino. Ele ter sobrevivido deve significar algo. Talvez tenha sido uma alternativa do destino para que o mundo perfeito do Griffith possa ser destruído, pois Gatts é o único cara no mundo que tem a intenção de fazer isso.

Talvez a humanidade queira um salvador e algo que os guie, mas ao mesmo tempo queira a liberdade e o livre arbítrio, e esse conflito de desejos no reino das ideias fez acontecer um ''bug no sistema'' que fez o Gatts sobreviver no Eclipse. Ou o que causou esse bug foi o forte sentimento do Griffith em relação ao Gatts. 

Tipo, tudo estava definido há séculos, mas naquele momento no Eclipse, a obsessão do Griffith com o Gatts foi mais forte que o destino e isso deu uma brecha para ele ''escapar'' do fluxo da casualidade.

Ou talvez tudo isso que eu disse seja um amontoado de bobagem e não faça sentido nenhum! 

Talvez eu esteja querendo enxergar profundidade demais aqui. 

Talvez o mangá termine com o Gatts matando o Griffith em uma lutinha previsível com chuva e raios no topo de um castelo, e depois ele se case com a Caska e os dois vivam felizes para sempre...



Acho que uma boa parte dos fãs gostariam disso, e minha mãe também por ser fã de novela, mas eu espero muito mais do final, apesar de ainda esperar que o Gatts confronte o Griffith de alguma forma cedo ou tarde, acho que no final vai ter algum evento do nível da Transformação Mundial, mesmo que contradiga tudo o que eu escrevi aqui.  

Desde que seja algo bem feito, eu não me importo. 

Mas discutir teorias sobre o final fica pra outro dia.



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PedroTreck

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